
Femme nue de dos
Picasso, Pablo. 1905
Mais informaçãosobre a obra
Obra-prima
Inventário 7967
Obra Exibida
28
O nu atravessa toda a obra de Picasso e se vincula tanto a suas investigações formais como aos momentos pessoais de sua vida. As pesquisas no terreno da arte e na das paixões se entrelaçam e potenciam inaugurando vários períodos de sua obra. Os nus que possui o MNBA sinalam dois momentos particulares em seu trabalho. O pequeno desenho Femme nue de dos (Mulheres nuas de costas, inv. 7968), de 1905, que pertenceu à coleção de Paul Guillaume (1891-1934), colecionista e promotor da vida cultural francesa (1), corresponde ao que a historia de arte há classificado como período rosa, entre 1904 e 1906. Nesses anos diminuem o protagonismo dos personagens humildes e desesperados que caracterizaram o período azul e aparecem temas vinculados ao circo e a os arlequins. Típico tema modernista, o arlequim não está abandonado em seu destino, se não que possui o poder transformador de sua arte. Picasso encontrou no mundo do circo e em suas personagens um tema que encarnava a ideia do artista de vanguarda. Neste rascunho retrata a uma jovem de costas, de pé, que com os braços elevados recorre seu cabelo enquanto apoia uma de suas pernas sobre o que poderia ser um banco coberto com uma tela. É um característico estudo do atelier. Corresponde a um momento no que as finanças e a vida afetiva do artista tomavam um giro, quando se muda ao Bateau- Lavoir, expõem os quadros dos saltimbancos, os irmãos Leo e Gertrude Stein começam a adquirir sua obra e inicia sua relação com Fernande Olivier, quem será sua companheira e modelo durante os próximos sete anos. A figura da menina recorre como um plano único e contundente a breve extensão do papel, sem elementos acessórios, destacando-se o volume do corpo por meio de apoios de crayon vermelho. A figura transita certo classicismo, rasgo que aparece em muitos dos desenhos que realiza em 1905 durante sua visita a Holanda.
Este nu é realizado dois anos anteriores ao momento em que realiza seu monumental bordel cubista, Les demoiselles d’Avignon, de 1907 (The Museum of Modern Art, Nueva York), no que o corpo feminino é um dos campos de batalha da transformação da linguagem da arte moderna que conhecemos como cubismo.
Femme allongée (1931) pertence a outro período. É o começo de uma serie extensa na que Picasso retrata a Marie-Thérèse Walter, a jovem que conheceu em 1927 nas galerias Lafayette quando ela tinha dezessete anos (2). Esta pintura representa um momento de fusão entre rasgos de nus anteriores e aqueles que dominariam na serie que realiza em 1932. Em comparação com os deste último ano, Femme allongée apresenta uma síntese que recorda aos ideogramas e distorções que introduzem em obras como Three Dancers, de 1925, atualmente na coleção da Tate Modern de Londres. Tales distorções, valoradas pelo surrealismo - que reproduz a serie titulada An Anatomy no nº 1 de Minotaure, em 1933–, tomaram um carácter violento, com dentaduras, línguas e deformações com as que representaram o rosto de Olga Koklova, sua esposa desde 1908, cujos retratos, inicialmente marcados pela influencia de Ingres, haviam deixado lugar a representações nas que os amantes se ameaçavam com a ferocidade de suas línguas e seus dentes. Muito diferentes são os nus ticianescos nos que retrata a Marie-Thérèse dormindo. John Berger sinala: “o que faz dessas pinturas diferentes é seu grado de direta sexualidade. Referem sem ambiguidade a experiência de fazer o amor com essa mulher. Descrevem sensações e, sobre tudo, a sensação de prazer sexual… este vestida ou nua é vista no mesmo sentido: suave como uma nuvem, fácil, cheia de prazeres precisos, inesgotáveis por sua vida e sentimento […]. Uma imagem visual pode revelar com mais naturalidade o doce mecanismo do sexo […] Fundamentalmente, não há palavras para o sexo-somente ruídos e formas” (3).
Femme allongée pode vincular-se aos retratos de Marie- Thérèse, em tanto reúne os característicos violáceos e verdes das pinturas nas que pinta a sua jovem amante. A diferença das obras de 1932, nas que a linha detalha o rosto e o sexo, recorrendo o corpo e descrevendo-o com torções com as que representam desde o descanso até o sensual tumulto do corpo exausto, em este caso a linha e a mancha vão demarcando os rasgos fundamentais - o rosto, os braços elevados, os seios– que se estendem sobre o que poderia ser um sofá ou a manta de um leito. Femme allongée é uma peça inicial de uma extensa serie na que se incluem obras como Femme nue couchée (1932, Centre Georges Pompidou, Paris) ou Jeune fille devant un miroir (1932, The Museum of Modern Art, Nueva York). Na obra do MNBA, a linha e os planos de cor representam a jovem como si se trata de uma paisagem. Em um texto posterior Picasso descreveu seu desejo de expressar-se através de um ideograma conciso: “Quero dizer um nu. Não quero fazer um nu como um nu. Somente quero dizer se não, pé, mão, ventre. Se posso encontrar a forma de dizer isso, é suficiente. Não quero pintar o nu desde a cabeça até o pé, se não somente ser capaz de dizê-lo. Isso é o que quero. Quando falamos sobre isso, uma simples palavra é suficiente. Aqui, uma simples visão e o nu disse o que é sem uma palavra” (4). A cita é eloquente para descrever esta obra. Trata-se de um nu esquemático, conciso, definido somente por alguns recorridos lineares e zonas de cor que se cruzam e se superpõem para delimitar a forma do corpo. A lembrança que domina parte da composição remite a forma de uma janela cuja luz define zonas quase brancas sobre a pele da jovem.
Esta pintura é uma peça chave na serie de metamorfoses do corpo que serviu a Picasso para transformar uma e outra vez a linguagem da arte. Encontra-se longe das angulosidades com as que definiram os corpos no período do cubismo, do classicismo detalhado dos primeiros retratos de sua esposa Olga, ou da exasperação que caracterizará os retratos em pranto de Dora Maar. A obra dá conta de um modelo de representação do rosto com o que, segundo a crítica, Picasso caracterizou os perfis de Marie- Thérèse (a fusão entre a testa e o nariz num único recorrido, em um único volume) e que desenvolveu também na extensa serie de esculturas em gesso, cimento e bronze que realizou em seu atelier de Boisgeloup, em Normandia.
Essa amante oculta - porque o artista estava casado com Olga e porque ela era menor de idade– se vincula a um momento de gozo e plenitude que se entende até 1935, quando a instabilidade de seu matrimonio e o começo da guerra de Espanha sinala o inicio de uma crise profunda. Femme allongée condensa um momento de rica plenitude e de intensa experimentação com a forma.
1— A obra provavelmente ingressa a coleção Di Tella no momento em que a viúva de Guillaume estava negociando o traspasso da coleção ao Estado francês, entre 1959 e 1963. A coleção atualmente se encontra no Musée de l’Orangerie em Paris.
2— Guido Di Tella adquire a obra a Kahnweiler. Em uma carta datada em 22 de março de 1960 este escreve: “De acordo com o conversado, me conforta confirmar que o estamos enviando em consignação a pintura ‘Femme couchée’, de 1931, realizada por Pablo Picasso. Estabelecemos também que o damos a opção exclusiva de compra-la dentro de um ano ao preço firme de US$ 80,000. Daniel-Henry Kahnweiler”. Carta de Kanhweiler a Di Tella, 22 de março de 1960, Arquivo ITDT, CAV, Caixa 22. Coleção 1960- 1970. Provavelmente Di Tella viu esta obra e comprometeu sua aquisição na viagem que fez com Lionello Venturi em março de 1960, recorrendo galerias de Paris, Londres e Nova York para adquirir obras do século XX e incorpora-las a primeira apresentação pública da coleção gestada por seu pai no MNBA.
3— John Berger, The Success and Failure of Picasso. New York, Pantheon Books, 1965, p. 156-157. 4— Pablo Picasso em: Hélène Parmelin, Picasso says. South Brunswick/New York, A.S. Barnes and Co., 1966, p. 91. Tradução da autora.
1962. Instituto Torcuato Di Tella 1960-1962, dos anos y medio de actividad. Buenos Aires, Instituto Torcuato Di Tella, [s.p.].
1985. KING, John, El Di Tella. Buenos Aires, Gaglianone, reprod. byn p. 68.
2006. ARTUNDO, Patricia M. (org.), El arte espanol en la Argentina 1890-1960. Buenos Aires, Fundação Espigas, reprod. color p. 452.
2008 [2001]. GIUNTA, Andrea, Vanguardia, internacionalismo y politica. Arte argentino en los anos sesenta. Buenos Aires, Século XXI, p. 107, 329.
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