
Portrait d'Ernest Hoschedé et sa fille Marthe (Retrato del Señor Hoschedé y su hija)
Manet, Édouard. ca. 1876
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Obra-prima
Inventário 2712
Obra Exibida
14
La nymphe surprise inaugura um período chave da trajetória de Édouard Manet e da historia do modernismo na pintura francesa (1). Segundo Barskaya, foi terminada e enviada pelo artista a exposição da Academia de Arte de San Petersburgo em 1861 com o título Ninfa y sátiro, dois anos antes da exposição no salão de rejeitados do Le déjeuner sur l’herbe e de Olympia (pintada esse mesmo ano ainda que enviada e aceitada no Salão des Artistes Français em 1865, ambas no Musée d’Orsay, Paris). Uma longa serie de estudos documentais e técnicos, assim como discussões a respeito de suas possíveis fontes, revelam um processo longo e complexo na elaboração desta tela, considerada o primeiro grande tableau-laboratoire de Manet reelaborando modelos da grande pintura italiana e holandesa dos séculos XVI e XVII.
A obra permaneceu em poder do artista até a sua morte, e existe evidencia de que Manet a considerou um de seus quadros mais importantes. Em 1867 a exibiu na exposição pessoal que realizou na Avenue de l’Alma depois de ser rejeitado na Exposição Universal. Figurou também, com o título Nymphe, em oitavo lugar, na lista que o mesmo Manet realizou em 1871 de seus melhores 25 obras não vendidas. Depois da morte do artista, Paul Eudel menciona a obra a propósito da exposição-venta no Hôtel Drouot, com o título de Bethsabé au bain.
Antonin Proust, em seus Souvenirs de Manet publicados na Revue Blanche em 1897, afirma que esta obra foi originalmente concebida como um grande quadro que representava a Moisés salvado pelas aguas, logo cortado pelo artista para conservar somente a figura nua em primeiro plano, ao que chamou Nymphe surprise. Esta afirmação viu-se suportada pela consideração, entre os estudos preparatórios da obra, de um rascunho ao óleo sobre madeira de 35 x 46 cm (Nasjonalgalleriet, Oslo) no que aparece a figura nua da Ninfa acompanhada por outra figura feminina vestida que parece pentear seu cabelo, enquanto a esquerda outra mulher de espaldas se agacha em uma estranha pose, em aparência recorrendo um objeto obscuro do leito de um rio. Finalmente, os estudos técnicos (raios X, UV, IR) realizados entre 1956 e 1982 em Buenos Aires por Juan Corradini revelam a existência de pentimenti subjacentes que vinculam claramente a Ninfa com o rascunho de Oslo: outras duas figuras femininas (a da esquerda cortada, apenas visível o borde do vestido) que coincidem, com leves variantes em sua localização dentro da composição, com as desse rascunho, o qual, a partir da afirmação de Proust, foi titulado Moisés salvado pelas aguas. Wilson-Bareau encontra problemático este título, já que não haveria antecedentes iconográficos da filha do faraó nua.
Por outra parte, a partir de fotografias antigas do quadro (de Godet, 1861? e Lochard, 1883?), Tabarant sustentou em 1947 a presença, no extremo superior direto da tela, do “visage d’un voyeur indiscret” que o artista haveria suprimido mais tarde. Esse rosto justificaria, o título Nymphe et satyre com que a obra havia sido exibida em Rússia no mesmo ano de sua realização. As primeiras radiografias realizadas por Corradini (1959 y 1979) não revelaram a presença dessa cabeça de sátiro, ainda quando na zona do quadro na que pareciam ver-se nas primeiras fotos havia um evidente repinte antigo. Estudos posteriores com raios infravermelhos do mesmo Corradini mostraram finalmente, em 1983, a presença daquela cabeça de fauno ou sátiro entre a folhagem que se adivinhava nas fotos antigas. Farwell publicou em 1975 uma nota inédita de Edmond Bazire, quem elaborou o catálogo da exposição póstuma de Manet em1884, onde afirmava que entre os troncos das árvores do fundo se vê o torso bronzeado de um fauno. Não se sabe com certeza, então (no há sido possível ainda estabelece-lo a partir das análises técnicas), si a supressão desse rosto de fauno ou sátiro foi realizada pelo próprio Manet ou por alguém depois de sua morte. Corradini sugeriu em 1983 a possibilidade de que haja sido tapado por Jules e Édouard Vibert, Rudolf Leenhoff ou um restaurador precoce.
Também as fontes iconográficas da figura da Ninfa hão sido objeto de longas discussões. Os primeiros comentaristas sinalam a “influencia dos venezianos” nesta obra. Tabarant menciona em sua obra de 1947 a Giorgione como fonte. Também há sido vinculada por Bareau com o Moisés salvado… de Veronese e Romanelli, que Manet haveria conhecido a partir de gravados del Recueil Crozat no Gabinete de Estampas da Biblioteca Nacional de Paris.
Supõe-se que a modelo nua foi Suzanne Leenhoff, a menina holandesa que trabalhou nesses anos como professora de piano para a família Manet, com quem se casou o artista em 1863 (2). Não somente a partir de uma possível vinculação com o nome da modelo, se não, sobre tudo, pela pose pudica da figura, vários autores consideram mais acertado identificar como fonte iconográfica o motivo de Susana e os velhos. Também poderia tratar-se de uma Betsabé, como foi observado já em 1884 por Eudel. Sterling publicou em 1932 uma fonte incontestável da figura, a pose e os panos da Ninfa surpreendida: um gravado de Vosterman que reproduze uma Susana e os velhos (de paradeiro desconhecido) de Rubens. No entanto, apesar da citação desse gravado invertido, outras fontes seguem sendo mencionadas, como David e Betsabé de Giulio Romano no Palazzo Te, que Manet haveria conhecido a partir de gravados franceses do século XVII de Corneille le Jeune (3). Há sido vinculada também com a Betsabé de Rembrandt e a Diana no banho de Boucher (ambas no Louvre), com uma Susana de Rembrandt no Museu de La Haya (4) e com um gravado de Marcantonio Raimondi titulado Ninfa e sátiro (5).
Tal vez há na Ninfa surpreendida algo de todas essas fontes mencionadas. Foi pintada em um momento bisagra na trajetória de Manet, quando depois de seu passo pelo atelier de Couture (onde realizaram numerosas copias dos velhos mestres), viajou a Itália e se registrou, em 1858, para a consulta de Gabinete de Estampas na Biblioteca Nacional de Paris. Com uma bela metáfora Théodore Duret afirma que Thomas Couture, ao aceitar a Manet em seu atelier, abriu as portas do curral das ovelhas ao lobo (6). Reff há chamado a atenção sobre a importância da publicação por entregas, entre 1849 e 1876, de a Histoire des peintres de toutes les écoles de Charles Blanc, apresentando assim não somente a importância das coleções de gravados e reproduções de obras do passado na gestão da arte moderna, se não também a simultaneidade das ambiciosas telas de Manet da década de 1860 com a moderna escrita da historia da arte nessa década. Fried, por sua parte, avança nesta ideia sustentando o papel central dos textos franceses contemporâneos a Manet (Blanc, mas também Thoré, Théophile Silvestre, Paul Mantz) como intermediários entre sua mirada e os artistas do passado para construir não somente uma imagem contemporânea se não também francesa da arte moderna que se pretendeu universal (7). Neste sentido, também aponta que, entre o gravado de Vosterman e a Ninfa surpreendida deve situar-se uma obra de Fragonard exibida em Paris em 1860: Le billet doux, em idêntica pose (ainda que vestida), mas com uma expressão de serena complacência no rosto que não tem a Susana de Rubens.
A Ninfa… inaugura a década que Michael Fried há caracterizado como um momento de negociação ou de “cruze de fronteiras” do modernismo, entre o realismo corpóreo de Courbet e o realismo ocular dos impressionistas, destacando o papel seminal das obras pintadas por Manet nesses anos (8).
1— Fried, 1996, passim.
2— Meier-Graefe, 1912.
3— Wilson-Bareau, 1986.
4— Bazin, 1932; Krauss, 1967.
5— Farwell, 1975.
6— Duret, 1902, p. 12.
7— Fried, 1996.
8— Ibidem.
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