
La tarde (A tarde)
Daubigny, Charles-François.
Mais informaçãosobre a obra
Obra-prima
Inventário 2770
Obra Exibida
15
No último quarto do século XIX, era frequente na prensa argentina encontrar cada mês de maio extenso récits do Salão de Paris, escritos por correspondentes argentinos ou traduzidos de jornais europeus, que julgavam as obras mais importantes entre as mais de cinco mil exibidas. Em uma cultura artística que muitas vezes primeiro foi literária e logo visual, as grandes machines do Salão eram objeto de laudatórias ou negativas resenhas que as vezes podiam corroborar-se quando a obra efetivamente chegava ao país. Assim sucedeu com O primeiro luto de Bouguereau.
Em uma carta pública ao seu amigo Manuel Láinez - diretor de El Diario– Carlos Gorostiaga não economizava elogios ao destacar que este era um quadro que não se podia olhar sem “sentir o choque de uma forte impressão de dor […] é tudo no natural: luz e sombra. Nem um só tinte forte; nada, absolutamente nada. É sem duvida por isso que transborda de naturalidade, que inunda de verdade” (1). Deste modo, a destreza “fotográfica” e a verossimilitude e legibilidades imediatas (2) buscadas por Bouguereau tinham sido efetivas neste observador que achava na dor, conteúdo desta pintura, uma “expressão de vida”. Partindo da calçada oposta, um anónimo crítico do El Censor apontava o que muitos detratores observavam então na pintura académica, sua artificialidade: “O primeiro luto, parece um conjunto de figuras mecânicas, Adão e Eva choram sobre o corpo exânime de Abel; constituem um grupo sem vida, seus corpos nus parecem ser de marfim que de carne humana” (3). Tudo para que os leitores de Buenos Aires prefiguraram esta pintura desde a letra escrita; sua chegada concretou-se alguns anos depois, e teve uma ressonada exibição pública em 1893 no contexto de una exposição benéfica organizada em base a obras cedidas pelos principais colecionistas locais. Neste meio, Eduardo Schiaffino, quem não era particularmente amante da arte académica, não pode deixar de sinalar o modo elegante em que o pintor havia resolvido o assunto: “há neste belo grupo escorços, flexões e detalhes em que a graça escultural é evidente” (4).
O primeiro luto, temática cara ao século XIX já que permitia o desdobrar dos corpos doentes neste significativo drama vinculado a historia bíblica (5), foi uma empresa de longo folego para Bouguereau. Assinado em1888, partindo de fins de 1885 esteve envolvido em seu desenvolvimento, e tal como demostra um croqui pertencente a Bibliothèque de l’Institut de France, já para esta data as posições dos três corpos que formam esta Pietà estavam expostos quase igual a seu resultado final (6). La grande machine exibida, junto a una Baigneuse, no Salão de 1888 remitia em sua composição ao esquema piramidal utilizado no Renascimento tanto por Miguel Ángel como por Rafael, de fato o artista foi frequentemente chamado de “Rafael francês”. A dor do grupo está contida, encenada. O foco maior de pesar, o rosto da mãe chorosa, está também velado, ao ser coberto pelas mãos. O manejo das carnações alude também à tradição clássica: o homem mais moreno, a mulher mais clara, quase de marfim. O corpo do morto é belo, com uma beleza idealizada que omite qualquer signo de violência perpetrada por Caim. O drama está evocado pela mancha de sangre sobre o solo. É um dos poucos focos de cor contrastante em uma pintura dominada pelos tons de terra. No fundo, o altar com a oferenda fumegante realizada por Abel, aquela que havia causado a ira de seu irmão, remite a historia recente (Gen. 4, 1-16). A fumaça se mescla com as nuvens de um céu tormentoso que dá conta da origem do episódio e seu trágico desenlace.
Bouguereau enviou esta obra, junto a um conjunto de pinturas realizadas nos últimos anos, da Exposição Universal de 1889. Cada uma delas representava, com suas habituais figuras de tamanho natural, as distintas vertentes de sua produção como as cenas da Virgem (L’Annonciation, 1888), as jovens rodeadas de anjinhos (Chansons du printemps, 1889), os putti (L’amour vainqueur, 1886), as banhistas (7), a historia bíblica (Jésus-Christ rencontre sa mère, 1888) e também grandes e complexas composições mitológicas (La jeunesse de Bacchus, 1884).
Para este momento, Bouguereau era um dos artistas mais célebres da França (8). Desfrutava do êxito de mercado sem precedentes que converteu seu caso em um verdadeiro “fenómeno” comercial sobre todo nos Estados Unidos e Inglaterra (9). Sua carreira, cimentada ano trás ano na Academia, era um aval inapelável ao que se somava a grande fascinação que despertava sua pintura entre as burguesias adquiridoras do Velho e Novo Mundo. Estas podem ser algumas das chaves para entender por que esta obra se transformou num objeto de desejo para seu adquiridor argentino, Francisco Uriburu, na última década do século XIX.
1— Gorostiaga, 1888, p. 1, col. 4.
2— Cf. Charles Rosen y Henri Zerner, Romanticismo y realismo. Los mitos del arte del siglo XIX. Madrid, Hermann Blume, p. 196 y ss.
3— L., “Notas parisienses”, p. 1, col. 3.
4— Schiaffino, 1933, p. 346.
5— Cf. entrada da obra de Barrias, Los primeros funerales, inv. 3652, em este catálogo.
6— Cada quadro traz um complexo processo de execução que ia desde os croquis iniciais até a pintura final, passando por estudos de cores, desenhos detalhados de todas as figuras, estudos de tecidos, de cabeças, de mãos, etc. Para seu processo de trabalho, ver: Mark Steven Walker, “Bouguereau au travail” em: William Bouguereau 1825-1905, cat. exp. Montréal, The Montreal Museum of Fine Arts, 1984, p. 67-82. Em um leilão realizado em 1994, saiu a venda uma tela (21,6 x 27 cm) com um estudo preparatório de um grande nível de acabado e parecido com a versão final. Ver: 19th century European paintings, drawings, watercolors and sculptures. New York, Christie’s, 13-10-1994.
7— El MNBA possui também uma banhista de 1873 de Bouguereau disfarçada sob o mitológico título de La toilette de Vénus, inv. 2673, doada por Federico Leloir em 1932.
8— Era membro da Academia de Belas Artes desde 1876, presidente da seção de pintura do Salão desde 1881 e da Société des peintres, sculpteurs, architectes et graveurs (1883-1905) e o professor elegido por alunos de todas partes que buscavam formar-se com ele, já fosse nas classes da École des Beaux-Arts ou em seu atelier na Académie Julian.
9— Cf. Os ensaios de Louise d’Argencourt e Robert Isaacson em: William Bouguereau, op. cit., p. 95-103 y 104-113.
1888. GOROSTIAGA, Manuel, “O Salão de Paris. Carta de M. Gorostiaga”, El Diario, Buenos Aires, 30 de mayo. — L., “Notas parisienses. Passeio pelo Salão de 1888”, El Censor, Buenos Aires, cinco de junho.
1900. VACHON, Marius, W. Bouguereau. Paris, A. Lahure, reprod. byn.
1933. SCHIAFFINO, Eduardo, La pintura y la escultura en la Argentina. Buenos Aires, edição do autor, p. 344-346, reprod. byn p. 345.
2006. BALDASARRE, María Isabel, Los dueños del arte. Coleccionismo y consumo cultural en Buenos Aires. Buenos Aires, Edhasa, p. 152-153, 155, reprod. color nº 54.
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