Comentário sobre Intimidade de um tímido (Intimidad de un tímido)
Jorge de la Vega passou por diversas etapas no desenvolvimento artístico até constituir-se no autor da produção que o caracterizaria como um dos artistas argentinos mais importantes da segunda metade do século XX. A figuração informal de 1960-1962 (obras de fundos escuros e de fundos claros) deu passo ao
Bestiario (1963-1966) e logo ao pop-psicodélico em branco e negro (1966- 1971). Entre 1961 e 1965 formou parte do grupo Nova Figuração, a partir de cuja dissolução não somente cambiou a direção de sua modalidade pictórica se não também, incorporou a composição e escritura de canções que ele mesmo interpretava de maneira paralela a seu labor como artista visual.
Intimidad de un tímido, 1963, pertence ao primeiro ano de elaboração de sua serie
Bestiario. O ano 1963 foi importante para todos os integrantes da Nova Figuração, no entanto, cada um de maneira individual, conjugou capacidade e eloquência expressiva para potenciar o surgimento dos respectivos discursos artísticos que caracterizariam por sua singularidade a cada integrante em particular e ao conjunto do grupo em sua proposta coletiva. Foi esse o momento no qual De la Vega começou com seu
Bestiario, uma das propostas artísticas que marcaram sua singularidade. Complexa e múltipla, a série funcionou como o ponto de chegada de um paulatino processo em parte compartido com alguns dos artistas que forjaram aquela transição caracterizada pela perdida da identidade do objeto artístico tradicional e o começo na área local do fenómeno da “morte da arte”.
De la Vega havia começado a pintar desde criança ao lado de seu pai, pintor de paisagens. Aos vinte anos já havia realizado sua primeira exposição individual e pintava bodegões, naturezas mortas e retratos. A partir de 1953 começou a realizar obras não figurativas de tendências geométricas, que continuou até 1959, em sintonia com as modalidades praticadas por vários artistas ao longo dessa década com o forte antecedente das vanguardas construtivas dos anos quarenta. A partir do estreitamento de vínculos com Noé, Greco e Macció, em 1960 De la Vega tomou a experiência do informal –matéria, sujeira, manchas–, mas incluindo a figura humana. Essa tendência teve um carácter neovanguardista e neodadaísta, que começou a provocar uma revolução interna na instituição arte. Ainda que De la Vega aderisse a essa modalidade pictórica, seus questionamentos mais radicais ainda estavam por chegar.
A meta do grupo Nova Figuração –reunido desde 1961– era buscar uma nova imagem da relação dos seres humanos com seu contexto, o que significava também romper com qualquer tipo de paradigma e figuração vigente até o momento.
Entre 1961 e 1962, De la Vega começou a prefigurar os modos compositivos de seu futuro
Bestiario em obras como
Vacío (1962): aclarou os fundos y acumulou as partes figurativas –manchas e linhas abertas– em certas zonas do quadro. O título desta obra tem um sentido simbólico relacionado com a ação de ruptura e questionadora que em 1962 De la Vega realizaria junto a Noé, e que prefiguraria o conceito espacial da serie. Depois do sucesso da exposição
Otra figuración (1961), Noé e De la Vega gestaram uma
ruptura estructural que mais tarde o primeiro chamaria “visão quebrada”, e assim arremeteram fortemente contra a “instituição pintura”. Uma vez chegados a Paris em 1962 De la Vega compões suas
Formas liberadas e Noé sua obra
Mambo. As obras de De la Vega, que incluíam explicitamente o gesto, consistiram em deixar a tela do bastidor, quebrar a estrutura de madeira, cortar a tela e envolver as madeiras quebradas. Nenhuma daquelas experiências efêmeras se conserva. Com este gesto De la Vega inaugurava uma nova concepção da obra, em um salto ao vazio que não se cintou somente a experiência de
Formas liberadas, se não que foi o fundamento espacial do
Bestiario, no qual, de maneira virtual, o retângulo pictórico tradicional ficava abolido. Os protagonistas de
Bestiario, como em
Intimidad de un tímido, se encentram conceitualmente suspendidos “no vazio”. Com estas premissas, entre outras, o artista começou a serie que definiu deste modo: “Pintava animais quiméricos que flutuavam no espaço sideral”. Uma iconografia singular de monstros construídos com rasgos de reminiscências infantis - por seus traços, desenhos, procedimentos e conceito de espaço– conformou esse corpus de obras, que formam um modo elíptico de referir-se a condição humana em sua dimensão existencial, dubitativa, ambígua ou em plenitude, exibindo tanto sua vulnerabilidade como sua capacidade de transformação.
Intimidad de un tímido é uma obra representativa dessa a série, assim como
Urano en Casa IV (1963, inv. 7215, MNBA), de tamanho menor.
Intimidad y
Urano exibem a incorporação da nova iconografia - neste caso felino, outras figuras não inidentificáveis e um elefante–, e uma nova fatura baseada em grande parte num tipo de colagem de variados e infinitos elementos, além de uma pintura gestual, de formas abertas, que se agrega aos fundamentos desta serie. Outro rasgo singular que se destaca na construção de
Intimidad de un tímido é a utilização de telas engomadas, dobradas e enrugadas que outorgam maior expressividade e caracterizam os distintos “estados de animo” desta figuração entre animal e humana. Neste caso, o tímido protagonista, figura da direita, constringido pelas figuras monstruosas pintadas, contem múltiplas dobraduras que convergem na intenção de indicar a introversão e timidez outorgadas pelo artista. Em troca, a figura dobrada na zona superior sugere um estado de maior liberação por sua atitude aérea.
De la Vega não somente somou-se aos artistas que forjaram uma mudança de paradigma no terreno artístico, se não que sua obra também refletiu esse cambio sucedido em outros âmbitos, como os hábitos sociais, a psicologia levada a vida cotidiana, a flexibilização dos componentes da personalidade, entre outros. Estes rasgos foram focados um pouco mais tarde pelas letras de suas canções.
por Mercedes Casanegra
Bibliografía
1991. CASANEGRA, Mercedes, Jorge de la Vega. Buenos Aires, Alba, reprod. color p. 142 (datado de maneira errada).
2003. AA.VV., Jorge de la Vega. Un artista contemporáneo. Buenos Aires, El Ateneo, reprod. color p. 115 (datado de maneira errada).