Comentário sobre Kreis, Círculo com marrom (Kreis (Mit bruan))
Kreis (mit Braun) Foi realizada por Vassily Kandinsky na Bauhaus de Dessau durante sua estadia como docente. Seu contato com o panorama alemão se remontava aos últimos anos do século XIX quando, depois de renunciar a sua atividade como advogada em Moscou, se radicou em Munique para dedicar-se a pintura. Em 1911 participou decisivamente na criação do grupo Der Blaue Reiter, formação vanguardista muniquense que sob sua ação e a de Franz Marc deu um marco de exibição e publicação a nova pintura. No almanaque editado por dito grupo, Kandinsky expõe suas teorias artísticas que em 1912 publicou em
Do espiritual na arte (1).
Suas obras da primeira década do século XX são paisagens e vistas urbanas em as quais, se bem existe correlato com o real, também é visível a simplificação formal e a relativa independência cromática do assunto representado. A partir de 1910, Kandinsky apresenta uma investigação pictórica cada vez mais autónoma das referencias figurativas que encaminharam no desenvolvimento do abstrato. Esta pesquisa foi um marco fundamental para muitas experiências visuais ao longo do século XX. Kandinsky foi, sem dúvida, um dos pioneiros em formas abstratas. As obras da década 10 (suas series
Improvisações,
Composições e
Impressão) apresentam, em linhas gerais, livres articulações formais de grande cromatismo carentes de uma estrutura compositiva preestabelecida. Ao estouro da Primeira Guerra Mundial, regressou a sua Rússia natal onde permaneceu até finais de 1921. Em Moscou a partir de 1918 dedicou-se ativamente a reorganização da vida cultural e artística russa, sendo membro do Departamento de Belas Artes (IZO), professor do Vkhutemas (Instituto Superior Artístico e Técnico), fundador e diretor do Museu de Cultura Artística e autor do programa inicial de Inkhuk (Instituto de Cultura Artística). Ainda que no seu começo mantivesse fluidos vínculos com os artistas da rama produtivista, os debates do contexto pós-revolucionário em relação do lugar do artista na nova sociedade provocaram rupturas e tomas de posição. A linha do produtivíssimo russo sustentada pelo grupo Lef se transformou na linha hegemónica. Em 1921, Kandinsky abandonou o Inkhuk à causa do rechaço de seu programa (2).
Convidado por Walter Gropius, Kandinsky se integrou em 1922 como professor de Pintura Mural na Bauhaus de Weimar. Sua atividade docente em esta instituição foi intensa: paralelamente ao curso preliminar, Kandinsky oferecia um curso de desenho analítico no qual se estudavam os princípios formais construtivos. No segundo semestre dava um curso de desenho artístico; também deu seminários de cor e a partir de 1928 ditou, junto a Paul Klee, cursos livres de pintura (3). Produto desta intensa atividade pedagógica apareceu
Ponto e linha sobre o plano, livro publicado pelas edições Bauhaus em 1926. Kandinsky propõe este ensaio como continuação dos princípios apresentados em
Do espiritual na arte.
Em linhas gerais, a pintura de Kandinsky dos anos 20 caracteriza-se pelo pequeno formato em suporte de cartão. As cores estão confinadas em áreas específicas e as formas simples e precisas se contrastam sobre o suporte uniforme (4). Resultam bem evidentes as diferenças entre sua pintura realizada durante as duas primeiras décadas do século XX e sua produção a partir dos anos 20. O estilo de Kandinsky em sua etapa Bauhaus apresenta uma mudança da ênfase outorgado a expressão intuitiva pela construção racional (5). Suas obras do período Bauhaus encontram-se em estreita conexão com sua produção teórica. O círculo é um elemento utilizado com profusão em sua pintura durante fins dos anos 20 e o começo dos 30. Este é o caso de
Einige Kreise (1926, The Solomon R. Guggenheim Museum) e de
Kreis (mit Braun) patrimônio do MNBA. Em
Ponto e linha sobre o plano, Kandinsky dá conta das particularidades desta figura: “A curva crescente volta tarde ou cedo a seu ponto de partida. O fim e o principio se confundem e desaparecem instantaneamente sem deixar pistas. Surge assim o plano mais instável e mais estável ao mesmo tempo: o círculo. […] A simplicidade como a complexidade destes tipos de planos vem de sua falta de ângulos. […] Trata-se somente de quatro pontos que concentram em si o sonido dos quatro lados do quadrilátero” (6).
Evidentemente, seu interesse nesta figura residia em sua capacidade sintética para a conciliação de oposições; o círculo involucrava uma reelaboração mística dos antagonismos (principio-fim, estabilidade-instabilidade, concêntrico-excêntrico). EM
Kreis (mit Braun) O círculo é um elemento compositivo central por seu tamanho e locação na superfície. Também, nesta obra Kandinsky utilizou outros elementos geométricos que também havia analisado em
Ponto e linha sobre o plano. O triângulo era considerado por Kandinsky o plano antagónico ao círculo, dado que “A ausência absoluta de toda reta e de todo angulo no caso da curva tem sua contrapartida no caso da reta, pois no plano por ela engendrado há sempre três linhas (retas) e três ângulos, índices que sinalam o antagonismo entre os dos tipos de plano primário” (7).
É interessante observar que a correspondência cromático-formal estabelecida por Kandinsky colocava ao amarelo em casal com o triângulo e ao azul com o círculo. “As cores ‘agudas’ fazem valer melhor suas qualidades em una forma pontiaguda […] As cores qualificadas de profundos resultam reforçadas e intensificadas em sua ação pelas formas redondas” (8). Em
Kreis (mit Braun) Kandinsky trabalhou em função destas correspondências e oposições mas através da inclusão do vermelho como um elemento mediador entre o amarelo e o azul. O laranja e o violeta são, então, os elementos cromáticos centrais em esta obra. Evidentemente, para Kandinsky estas eleições não eram aleatórias e se baseavam em uma procura analítica e sensível das relações entre forma e cor.
por María Amalia García
1— Thomas M. Messer, “Introduction” em: Kandinsky at the Guggenheim. New York, The Solomon R. Guggenheim Museum, 1983, p. 9-17.
2— Christina Lodder, El constructivismo ruso. Madrid, Alianza, 1988, p. 82-83.
3— The Collection. Berlin, Bauhaus Archives, 1999, p. 56-61.
4— Vivian Endicott Barnett, “The essential Unity of Kandinsky’s Pictorial Modes” en: Kandinsky at the Guggenheim, op. cit., 1983, p. 19-55.
5— Thomas M. Messer, “Introduction”, op. cit.
6— Vassily Kandinsky, Punto y línea sobre el plano. Contribución al análisis de los elementos pictóricos. Buenos Aires, Paidós, 2007 [1926], p. 72, 128.
7— Ibidem, p. 73.
8— Vassily Kandinsky, De lo espiritual en el arte. Buenos Aires, Nueva Visión, 1957 [1912], p. 49.
Bibliografía
1958. GROHMANN, Will, Wassily Kandinsky, Life and Work. New York, Harry N. Abrams, nº 304, reprod. p. 374.
1984. ROETHEL, Hans K. y Jean K. Benjamin, Kandinsky. Catalogue Raisonné of the Oil-Paintings 1916-1944. London, The Blue Rider Research Trust/Cornell University Press, nº 892, reprod. p. 820. 2001. GIUNTA, Andrea, Vanguardia, internacionalismo y política. Arte argentino en los años sesenta. Buenos Aires, Paidós, p. 134.